terça-feira, 1 de julho de 2008

1992

Carta de 1992 na mesa de vime.
Trago um cigarro fundo.
Envelope amarelado.
Mesa firme, e mãos num traçado.
Permaneço calado.
Mais uma fumaçada.
Melhor um trago quente.
Abafar, deixar dormente.
Sentir é viver ao quadrado.
Prefiro continuar calado.
Palavras fazem-me mal.
Como pôr nas terríveis feridas, um punhado de sal.
Carta de 1992.
Sim, um tempo de nós dois.
Nunca suportei feijão com arroz.
Sou esquerdista e deixo tudo pra depois.
Mesa de vime.
E de sentimentos só se oprime.
Prefiro ser imoral, impassível.
Papel terrível.
Ano de 92.
Passar pro túmulo o que não passou, e depois?
Enterrar.
Como pode ainda me machucar?
Prometi a minha pedra não estimular.
Traição do músculo.
Emoção de um pobre diabo, pulo.
Cerrar.
Pulsos,dentes,lágrimas,neurônios.
Malditos demônios!
Ei de me livrar!
Meros papéis de um simples passar.
Amasso e taco fora.
Trancafio minha caixa de pandora.
Males são integrantes.
Amarelos escriturais de um passado não passante.
Noventa e dois.
Vivo o agora foda-se o depois.
E o comum e inseparável feijão com arroz!
Acendo o isqueiro.
Vejo algumas letras sorrateiro.
Tentação diabólica!
Lembrança de uma paisagem bucólica.
Fogo destruidor!
Queima o noventa e dois!
Juro, nem teve amor.
Nem sei porque resta a dor.
Fecha-se o gás.
Pensamento domina, leva e traz.
Mais um trago.
Respiro, sinto-me meio gago.
Melhor continuar calado.
E pras paredes o anunciado.
Fim de um noventa e dois.
Só um ano, ora pois!
Lágrima insistente.
Fogo do isqueiro insistente.
Amarelando.
Queimando!
Palavras não ditas decepando.
Arrependimento.
Peito em sofrimento!
Pára. Mais um copo cheio.
Cinzas e frases no meio.
Ainda dá pra impedir.
A quem quero permitir?
A mim?
Ou ao noventa e dois ruim?
Fogo em cima!
É o fim da ruína.
Trago, fumaça e cinzas.
Melhor sair e me perder nas esquinas.

5 comentários:

Aglio disse...

e a gente se arrepende de se arrpender.

Naná disse...

"Vivo agora e foda-se o depois", forte e mentiroso.
Agarrada a um passado, fajutado em 1992.
É fácil po-lo em papéis e queimá-lo dessa forma, difícil é encará-lo e superá-lo.

Adoreeeiiii!! Vc passou brio e convicção inabaláveis nessas palavras.

Bjooo!!!

Nyh! Marinho. disse...

Caraca, tão foda q eu nem vou me dá o direito de dizer nada mais q isso. rsrs
Muito bom, de verdade!

Henrique disse...

Que poema rico, cinematográfico, rítmico. Me emociona pois me ilude, consegue fazer isso com as suas palavras, são tantas informações de escrita, de imagens, de sensações, de estética gráfica, que viajo. É como se me jogassem para todos os lados, me assoprassem, me batessem. Um dia quero escrever um poema assim como você! Que invejaaaaaaaaaaaaaa

Beijo grande

Keidy Lee disse...

Liiindo.

Perfeito!