quarta-feira, 30 de julho de 2014

Carta.

Helena,

Sei que rasguei o tempo, te puni com o meu afastamento mas necessitava enxugar todo o amor que não deixava de jorrar.
Tentei arranjar maneiras de secar as feridas, de esquecer velhos costumes, mas não consegui apagar vc.
Ali latente, doída mais que qualquer chaga!!!
Quando tentei lhe causar dor, era como se pudesse ser Semi Deus e lhe transferir meus cortes. Bobagem, vc tem os seus, tão fortes quanto os meus acredito.
Não estou reativando vínculos, laços, sequer injetando vida na morte; apenas queria lhe escrever, enviar minhas palavras, nem doces, mas verdadeiras.
Acredito em seus olhos piedosos, suas mãos cheias de força e sua boca vívida. Sempre acreditei, me embalei desse conjunto, me perdi, esquecendo- me.
Sem punições, sim, não estou armada de espinhos e facas. O tempo tratou de envelhecer minha dor, de transformar minha garra em medo. Meu coração vive fraco, acuado, luz fraca, pulsação devagar. Quase enfermo.
Se não houver respostas tuas vou compreender, afinal direitos tem sua vida e vc sempre deu valor ao tempo, lembro bem.
Mas se quiser responder- me meu batimento vai acelerar, sempre me surtiu esse efeito tudo em vc. 
Lembro- me o quanto me julgava exagerada, do sentimento ás palavras, e eu sempre lhe achei tolida, não menos entregue, mas contida talvez em demonstrações.
Salvo as cartas. Não posso ser injusta com tuas letras. Guardo-as todas! Na alma, na carne, dentro dos olhos.
Não convém aqui minhas " cotidianices", tolices como: " vida vai bem,seguindo"..
Vc me conhece, acho que vc é das poucas pessoas que me reconheceria a quilômetros, numa multidão! 
Talvez isso tenha afetado-me tanto!! Essa identificação absurda, esse encaixe.
Mas também não estou pregando minhas justificativas, estou apenas tonando meu vinho e deixando meus dedos fluírem. Sinto falta disso com vc.
Das outras coisas também, se quer saber, se cabe dizer.
Nunca houve dificuldade em escrever-lhe, meus dedos conhecem esse caminho. Houve acovardamento do meu coração. Somente ele cabe tamanha culpa e punição.
E o seu silêncio todo esse tempo foi uma punição bem dura minha cara. Mas absolutamente compreensível.
Não vou terminar com fins clichês, despedidas forçadas e requerentes de resposta. Deixo-a na tua liberdade de sempre.

Até.

Não quero deixar vc.

Não quero deixar vc.
Desmembrar cada parte atemporal.
Desatarrachar cada gravura de momento vivido.
Sufocar todos suspiros e gemidos.
Atropelar sem volta seu começo em mim.
Seus pés foram, mas seus olhos ficaram.
Assim como suas músicas e seu cheiro.
Gravadas, tatuadas permanentemente.
Portanto não quero deixar vc.
Preciso desocupar outros espaços.
Mas o seu lugar é cativo, póstumo.
Deixar vc seria soterrar uma flor.
Cortar um dedo.
Danificar permanentemente um estado sentimental.
Veja bem, amor é mais que isso.
Eu falo do estado cru, bruto da sua presença.
Não se deixa nada disso simplesmente " ir"
Eu quero que vc fique.
Manche cada dia, pele e pensamento.
Sem descansar muito mesmo imaginar em desocupar.
Misture-se ao meu respirar diário.
Atando sua mão a minha no invisível.
Adicionando açúcar a minha salinidade.
Pisando fortemente na minha teimosa razão.
Não, deixar, não.
Adicionar.