sexta-feira, 5 de maio de 2023

Tentativa

 Você me chama para conversar 

Mas esta sempre rodeado de pessoas, assuntos, telas, pensamentos.

Seus olhos vazios fingem se interessar

Sua boca curva-se em sorrisos quase simpáticos.

Sinto um abismo em métrica a nos empurrar.

Você me indaga amenidades em diálogos

Mas esta sempre rodeado de fugas, cansaço e tecnologia.

Sua respiração preenche a presença física que deveria se importar.

Sinto que minhas palavras proferidas são afrontosas.

Deveria brindar-lhe com respostas monossilábicas ou meu silêncio.

Porque travamos essa farsa interativa?

O interesse é tão sedutor quanto a consideração.

Estimar alguém é dar-lhe um pedestal de importância ímpar no quarto dos afetos.

E quem tu estimas além das futilidades passageiras que personificas?

Sinto seus olhos vazios como suas mãos ausentes

Desprovidos de total vontade, vínculo ou verdade.

Você quase me convence que estas ali, diante de mim.

Mas estas tão longe quanto o meu coração que se afasta, recolhido em dor, rejeição e repulsa.

Porque insistimos?

Cada encontro é como tentar pegar uma rosa e esquecer que é rodeada de espinhos.

Não existe poesia sem agressão em vc, ou talvez minha poesia se revolta em agressão pela sua presença.

Debate-se como se tentasse soltar as ataduras impostas por cada encontro frustrado.

Novas feridas misturam-se as velhas e assim nunca sabemos onde começa ou termina esse emaranhado de cortes e fissuras.

Saio de perto de ti com a sensação de dever cumprido.

Mas logo o fracasso me abraça trazendo o gelado arrependimento, a dor da tolice e as pontadas da ingratidão.

Tu jamais irá reconhecer meu afeto, puro, simples e desinteressado.

É como tentar trazer vida a uma flor que já ressecou pelo tempo.

Gastou-se a vida de sua seiva, esvaiu-se com cada tentativa inútil.

Só resta-me parar de tentar te alcançar.

Mas basta eu me afastar e logo sentes minha ausência.

Costume, ego ou fingimento?

Seu vazio não foi preenchido repentinamente de mim, como um copo abastecido de água a um sedento.

Onde me esqueceste? Onde me enfiastes? Qual fresta fui deixada?

Não me vejo ocupando nenhum espaço.

Queria ver sinceridade, a mesma que dedicas aos outros.

Ás vezes sinto que fui perdida em teus livros.

Gosto de morar lá em tuas linhas com tanto carinho e afeto, mais do que dedicas as pessoas.

Lá sinto-me hidratada de uma luz, de uma importância quase angelical.

Olho as pilhas que te cercam de publicações, como corredores, cercando, isolando, moldando espaços entre nós.

Porque me tomas nessa conversa?

O tempo sempre ri debochado, de mim em desalento, de vc abandonado.